Degustação - Gotas de Chuva Com Cheiro de Sangue - Cap 01

Capítulo 1

Degustação – Gotas de Chuva Com Cheiro de Sangue

Um clima fresco e úmido tinha se estabelecido logo após a tempestade que ocorreu menos de uma hora atrás, aliviando o abafamento do fim do verão. Seus tênis afundaram em uma poça d’água sobre o pavimento. As sirenes da polícia e as luzes piscantes dos caminhões de bombeiros, que já estavam no local, cortavam a escuridão. Dezenas de policiais discutiam o que tinha acontecido, chamando os outros com expressões sérias.

A Tenente de Polícia Tul Techakomol, também conhecida como Tenente Tul, atravessou o perímetro estabelecido pela polícia na cena do crime. Ela ergueu o distintivo policial pendurado em seu pescoço para que os guardas da área pudessem inspecioná-lo, em seguida, passou sob a fita amarela e preta após receber autorização.

Era uma vez um carro esportivo que, até algumas horas atrás, valia dezenas de milhões de baths. Um incêndio irrompeu, consumindo o veículo por completo, conforme informado anteriormente à Tenente Tul. Mesmo sob a chuva intensa, ninguém conseguiu resgatar a vítima. O odor da carcaça queimada do carro, entrelaçado com o cheiro do corpo da vítima, era tão intenso que Tul precisou levantar o braço para cobrir o nariz.

Crack… crack…

Uma mão branca tirou um celular do bolso. O nome do júnior que conhecia desde que estavam na mesma academia, “Tenente Jiu”, apareceu na tela. Passou a ponta do dedo no botão verde e atendeu a chamada imediatamente.

— Ei, onde você está?

— A caminho. Você chegou no local do acidente? — Tanto o tom da voz quanto a frase tinham um tom de flerte que estava sempre lá, no entanto, Tul nunca se sentiu atraída por ele. O que acontecia era que o nível de intimidade entre ela e o Tenente Jiu era grande o suficiente para ignorarem o sistema sênior e júnior que todos seguiam estritamente.

— Já faz um bom tempo que fomos avisados, você pode se apressar e vir logo? — Tul se conhecia bem o suficiente para saber que não se atreveria a conversar com ninguém além do Tenente Jiu. Ela continuou a olhar em volta com curiosidade, e curvava a cabeça para todos os oficiais pelos quais passavam. — … eu não conheço ninguém aqui.

— E quanto a Terra? A equipe Terra? A oficial forense que estudou comigo já deve estar aí, você pode ir procurar por ela. — Tenente Jiu mencionou alguém que ela talvez conhecesse.

— É melhor você se apressar e chegar aqui o mais rápido possível. Eu te dou cinco minutos, rápido.

— E-espera, P’Tul. Ela também faz parte do Instituto Médico Legal. Ela provavelmente já está aí…

Ele ainda não havia terminado de falar quando a jovem Tenente pressionou o botão de desligar, interrompendo a ligação com o mais novo, aborrecida. Tul soltou um pouco de ar pela boca para dissipar o frio e voltou ao carro queimado à passos largos.

Tul se inclinou para olhar dentro do carro, e no instante em que o fez, o odor da carne queimada do corpo atingiu suas narinas com tal intensidade que ela precisou puxar a gola de sua vestimenta sobre o nariz. Mesmo depois de tantos casos, ela ainda não havia se acostumado com o cheiro. Fez uma avaliação visual, constatando que o cadáver tinha sido consumido pelo fogo a ponto de a pele estar carbonizada e somente alguns fragmentos de tecido vermelho eram visíveis. O rosto parecia ser a área mais afetada, impossibilitando qualquer tentativa de identificação da vítima por essa característica.

Seus olhos se moveram para o câmbio, onde viu pilhas de pontas de cigarros pretas queimadas no cinzeiro do carro. Obviamente, o falecido era um fumante. Talvez o cigarro tenha sido a causa do incêndio. Mas havia algo suspeito para Tul, o cinto de segurança ainda envolvia o corpo e não havia sinais do falecido ter tentado soltar sua fivela. A porta do carro também estava completamente fechada, sem sinais de tentativa de abertura para tentar sobreviver.

A Tenente franziu as sobrancelhas. Colocou luvas descartáveis em ambas as mãos e destrancou a porta por dentro antes de abri-la para inspecionar algo. Ela descobriu que a janela ao lado do motorista havia sido totalmente abaixada, e não estilhaçada como as outras janelas do carro que haviam sido atingidas pelo fogo.

— Tenente, o Tenente Jiu entrou em contato comigo e disse que você tinha chegado ao local — um policial forense se aproximou para fazer sua saudação. A jovem Tenente desviou os olhos do cadáver e assentiu — … gostaria de relatar os resultados da investigação preliminar. A vítima desconhecida morreu de queimaduras. Supõe-se que o incêndio tenha sido causado por cigarros e spray de perfume.

— Perfume?

— Sim. Encontramos um frasco de perfume no chão do carro. O armazenamos para enviar ao exame forense — a pessoa da equipe forense Terra ergueu um saco ziplock que continha um frasco de perfume tão queimado que mudou de forma. Tul estendeu a mão e o pegou para inspeção. O que restou do logo da marca devia ser o suficiente para uma investigação mais aprofundada. Tentou pressionar a válvula com o dedo, mas não funcionou.

— É um perfume em spray ou algo assim, né?

— Sim, acho que ele deve ter apertado a válvula do perfume sem querer enquanto fumava.

— Então causou um incêndio que se espalhou por todo o carro — a Tenente murmurou para si mesma. Suas sobrancelhas franziram enquanto considerava essa possibilidade —, mas estranhamente… ele não tentou escapar. Essa janela está aberta, e o cinto de segurança não foi tirado a tempo. E se tiver outros motivos para ele não ter conseguido sair do carro? O comportamento dele…

— O calor intenso causa contração dos tendões nas articulações dos antebraços, o que faz com que o cadáver seja dobrado e levantado, como um boxeador em guarda. Não é nenhuma surpresa que a expressão do cadáver pareça estar lutando.

Tul virou-se e procurou a origem da longa frase médica que estava sendo dita. Uma jovem mulher, de estatura pequena, estava se agachando um pouco, ajustando-se para que sua linha de visão ficasse alinhada com o corpo carbonizado. Ela não demonstrou nenhum sinal de medo ou nojo. Ela pegou um par de luvas de borracha e as colocou.