Ming engoliu em seco e assentiu rapidamente enquanto as raízes desapareciam no ar, os olhos arregalados fixos na frente, provavelmente em outro momento todos teriam seguido a direção do olhar e perceberiam quem ele estava encarando, mas provavelmente estavam atribuindo a expressão de choque do elfo ao descontrole de sua magia.
— Sinto muito, Tay. — Goof sussurrou enquanto pousava uma mão em seu ombro.
Cassandra Prime nunca pensou que fosse beber sangue, muito menos que fosse beber o líquido grosso e escuro em um copo plástico comum. Ela havia assistido filmes de vampiro o bastante para esperar uma taça de cristal.
O líquido descia lentamente por sua garganta e lançava ondas de energia por todo o seu corpo, fazendo as dores irem embora. Blay havia dito que as dores eram normais, pois seu corpo ainda estava em transformação, mas logo acabariam. O que mais incomodava Cassandra era a sede, mesmo que ela bebesse três corpos de sangue animal por dia, a sede nunca ia embora.
— Uma hora você vai se acostumar com ela, e nem vai perceber até que esteja com muita sede, ser vampiro não é tão ruim quanto parece. — Blay havia lhe dito na primeira noite de lucidez dela, quando os delírios e as dores excruciantes haviam parado após longas horas de sono atormentado.
Ela tentava, a cada onda de dor focar a visão no teto alto do quarto, então seus olhos iam para o papel de parede verde claro com flores copos-de-leite estampados, mas de vez em quando ela dava uma mergulhada na escuridão dos pensamentos, então imagens vinham até ela, e de repente ela se via no chão do beco imundo, a dor na garganta e algo em cima dela, a pressionando com força contra o chão, seus dedos escorregando no próprio sangue. Mesmo que ela usasse esses momentos para ver o rosto de quem a atacou, não conseguia, tudo se resumia a dor, escuridão e o fedor metálico de sangue.
Há poucos minutos ela havia passado por mais uma onda de dor que irradiava no centro do seu peito, e ela pensou se era seu coração morrendo, por isso estava tomando mais sangue. Yuan Shaoran estava em pé ao lado da cama.
Cassandra ainda conseguia ficar admirada com o curandeiro. Ele havia explicado que era um elfo, curandeiro da Casa de Xangai, local destinado à proteção das convergências das Linhas de Ley, que eram responsáveis por manter o véu que separava os mundos em pé e impedir que o ar deste lado ficasse contaminado de magia. Ele era alto e esguio, seus olhos eram vermelhos como fogo, assim como seus compridos cabelos que viviam presos em uma trança. Ele usava um elegante hanfu cinza, e sempre estava segurando um leque branco com símbolos dourados, seus dedos compridos eram cheios de anéis com pedras coloridas que faiscavam com o toque da luz das lâmpadas em forma de rosas.
— Como se sente agora? — Ele indagou com a voz leve e rouca, que parecia vir de um sonho distante.
— Bem melhor, isso ainda vai demorar? — Ela questionou e se levantou da cama. Após a dor vinha a sensação de paz e uma vontade louca de se levantar, sair por aí, era um efeito do sangue em seu novo corpo, uma energia sobrenatural que com o tempo ela iria aprender a controlar, segundo Blay. Mas por ser uma recém-transformada ela não podia sair de casa.
— Acredito que falta pouco — Yuan respondeu enquanto fechava o leque e se sentava em uma poltrona florida.
O quarto que Blay havia designado para Cassandra parecia da era vitoriana, com móveis grandes de madeira escura e estofados floridos, um magnífico tapete preto com detalhes de raízes escuras e espinhosas se posicionava no centro do quarto com piso de madeira escura. As janelas compridas haviam sido cobertas por cortinas cinzentas e pesadas, e Blay disse veemente para ela que não as abrisse tão cedo. Logo ela receberia seu talismã que lhe dava capacidade de sair ao sol.
Também havia um banheiro maior que seu antigo banheiro e um magnífico espelho de frente para cama, onde Cassandra passava horas se olhando, ela descobriu aliviada que mesmo se transformando em vampira o seu reflexo ainda podia ser visto!
Ela gostava de ver a sua aparência mudando, era assustador como ela ficava mais pálida a cada dia que passava, seus olhos antes escuros estavam começando a ficar claros, e em breve se tornariam um castanho brilhante, como os olhos dos arcanianos, como se o sangue em seu corpo tivesse sido substituído por fogo.
— A transformação vampírica é mais difícil que a lupina. — Yuan comentou.
— E como é a transformação dos lobisomens? — ela perguntou, encarando o reflexo de Yuan no espelho.
— A transformação dos vampiros consiste no ato de morrer, o que é bem doloroso, mas os lobisomens devem lidar com a transformação, que não é fácil, mas não é dolorosa. A diferença é que com o tempo os lobisomens de fato viram lobos, sabe? Começa com suas feições ficando cada vez mais lupinas, até que um dia eles se transformam e não conseguem mais voltar a forma humana, apesar de sua consciência se manter.
— Isso é horrível. — Ela franziu a testa.
Uma das coisas que Cassandra havia aprendido sobre o mundo Arcanos era que a magia nem sempre era tão bela quanto se via em filmes ou lia em livros. A magia real parecia uma fera perigosa que precisava se ter bastante cuidado para não acabar sendo devorado, e quanto mais magia você desejava, mais chances tinha de algo dar errado.
— Você vai descobrir que por trás de coisas belas pode existir algo horrível. — Ele diz ao se levantar. — Agora você precisa descansar, volto amanhã para conversarmos e dar início a investigação.
Claro, a investigação, Cassandra pensou desanimada. A Tríade, o tal governo misterioso e mágico, não havia designado Yuan só para cuidar da transformação dela, Blay poderia ter feito isso sozinho, Yuan havia sido incumbido de ajudar Cassandra a se lembrar do rosto de quem fez isso com ela, o que estava sendo difícil de se fazer sozinha, por isso Yuan iria vasculhar sua mente, o que ela não estava nada animada para tal feito.
— Não podemos esperar mais? — Indagou esperançosa.
— Infelizmente não, os margals precisam de mais pistas para encontrar quem fez isso com você, e infelizmente eles não encontraram nada no beco ou nas suas roupas, então só resta a sua mente. Tentei adiar este momento ao máximo, só que eles ficaram muito impacientes nos últimos dias.
Cassandra se lembrava das duas margals que haviam vindo visitá-la em busca de respostas, eram muito sérias e fizeram tantas perguntas que Cassandra ficou com uma terrível dor de cabeça. Elas foram embora com expressões desapontadas quando viram que Cassandra não tinha muitas informações do ataque.
— Não deve pensar muito nisso — o curandeiro aconselhou. — Não irá doer nada. — Cassandra assentiu lentamente. — Agora preciso ir, estão precisando de mim na Casa — ele apontou para o leque que agora emanava um fraco brilho avermelhado. — Descanse, e não saia de casa.
— Para onde eu iria? — A pergunta saiu em um sussurro e o curandeiro, que já estava fechando a porta às suas costas, não pareceu ouvir.
Ela voltou a olhar seu reflexo. A primeira coisa que queria fazer ao ter permissão para sair da casa era visitar os pais com quem ela conversava constantemente pelo celular, garantindo que ainda não havia ido para casa por causa de uma amiga que estava doente e sozinha pois os pais haviam viajado e por isso ela estava em sua casa. Cassandra sempre foi apegada com eles, quando pequena ajudava no pequeno restaurante que sua mãe, Leihuang Zhangliwang, havia herdado da sua avó, no distrito de Songjang,
o estabelecimento se mantendo de pé firmemente diante de grandes construções modernas. Cassandra cresceu ouvindo a história de como a mãe conheceu seu pai, Jonathan Prime, quando ele estava fazendo uma viagem de férias a Xangai.
Eles haviam se casado um ano depois no país do seu pai, Inglaterra, onde tiveram Jiaokangli Prime, que recebeu o apelido de Cassandra (em homenagem a mãe do pai) e então voltaram para Xangai, com a bebê de cinco meses, para o funeral da avó que havia criado a mãe de Cassandra como filha desde os 9 anos, quando os pais morreram em um acidente de carro.
Eles não voltaram mais para a Inglaterra, primeiro porque o pai no seu país estava desempregado e havia usado quase toda a sua economia comprando as passagens e segundo porque ali poderiam administrar um negócio de família já consolidado e criar Cassandra com a certeza de que ela teria bons estudos e uma vida tranquila.
Enquanto crescia Jonathan ensinou sua língua para a filha, mas à medida que os anos iam se passando até mesmo ele havia passado a falar mandarim, se esquecendo de bastante coisa do inglês.
Cassandra queria poder abraçá-los novamente, conversar logo após o fechamento do restaurante e fingir que nada havia mudado, que ela ainda era humana. Ela sabia que a partir de agora teria que fingir bastante para conseguir ficar perto de sua família.
Phan estava curvado sobre um desenho perfeito do corpo humano, com setas indicando órgãos e o sistema circulatório indicando os nomes dos órgãos, e nas pernas dobradas equilibrava um caderno, havia livros e anotações espalhados à sua volta, e mesmo que ele sempre tenha sido organizado, agora ele não tinha mais tempo para isso, sentia que precisava absorver o máximo de informações que podia. Lá fora o céu já estava escuro, com estrelas piscando alegremente.
Tay havia chegado logo depois dele, eles jantaram em silêncio, talvez porque Phan estivesse com a cara enfiada em um livro enquanto comia, e logo depois o normal havia voltado para o quarto e para seus estudos sem fim. De vez enquanto podia ouvir os passos de Tay, batidas leves que indicavam que ele estava treinando em seu quarto, como ele fazia isso Phan não sabia.
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